O movimento internacionalmente conhecido como “Outubro Rosa” simboliza a luta contra o câncer de mama, estimula a promoção da conscientização sobre a doença e contribui para proporcionar maior acesso aos serviços de diagnóstico e tratamento.
Sua história começa nos anos 90 nos Estados Unidos, quando a Fundação Susan G. Komen for the Cure distribuiu laços cor-de-rosa para os participantes da primeira Corrida pela Cura, promovida anualmente na cidade desde 1990. Desde então, o Congresso Americano aprovou um decreto que reconheceu o mês de outubro como o mês nacional de prevenção do câncer de mama.
A primeira ação do Outubro Rosa no Brasil aconteceu em 2002, quando o Obelisco do Ibirapuera, em São Paulo, foi iluminado de rosa. Em 2008, a campanha ganhou mais força, com a iluminação de monumentos e prédios em várias cidades brasileiras, incluindo o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro.
Entrevistamos a Doutora Ana Amélia Viana, que reside em Salvador-BA, oncologista e especialista em Saúde da População Negra para falar sobre diagnóstico, prevenção e estatísticas sobre o câncer de mama em mulheres negras.
De Benguela: Dra., é um prazer tê-la conosco! Por favor, nos conte um pouco sobre a sua história com a Medicina e como chegou na especialização de Oncologia com Foco na População Negra.
Dra. Ana Amélia: “Escolhi a Medicina ao final do ensino médio porque me encantei ao assistir um parto. Quando entrei na Faculdade queria fazer a especialidade de Obstetrícia. Com o passar dos anos e aprendendo novas disciplinas, passei a me interessar pelo mecanismos da doença câncer e pelo seu tratamento, tive contato com alguns pacientes que me marcaram muito, então decidi fazer residência em Oncologia Clínica. Depois de alguns anos fazendo Oncologia, passei a me interessar pela Medicina com foco na população negra. Acredito que o interesse cresceu junto com meu próprio letramento e por perceber na prática as dificuldades que nossa população enfrenta, ao ponto que, um atendimento acolhedor dos aspectos da nossa comunidade pode fazer toda a diferença”.
De Benguela: Dra., a literatura registra índices de mortalidade por cancer de mama maiores na população negra que em não-negros. Ocorre de fato? E quais seriam os motivos?
Dra. Ana Amélia: “A mortalidade por câncer de mama na mulher negra nos Estados Unidos é 40% maior do que a da mulher branca americana (no geral). Se falarmos de um tipo específico de câncer de mama (o triplo negativo) que é o tumor mais frequente em negras, essa mortalidade é realmente bem maior! No Brasil os dados que a gente tem apontam pra essa mesma direção. Fatores comportamentais e ambientais, como o menor acesso aos serviços de saúde, diagnóstico com doença avançada, dificuldade de completar o tratamento, que pode ser pouco eficaz, são levados em conta como possíveis causas. Um estudo em andamento no Inca busca avaliar se há também implicações genéticas que possam justificar essa diferença.”
De Benguela: Quais os tipos de câncer mais frequentes em mulheres negras?
Dra. Ana Amélia: “O câncer de mama mais frequente em todas as mulheres (inclusive nas negras) é o tipo luminal (aquele que tem receptor hormonal). Mas tem um outro tipo: câncer de mama triplo negativo, que é 2x mais comum em mulheres negras do que brancas. É um tipo mais agressivo e que acomete mulheres mais jovens.”
De Benguela: Como promover o autocuidado e a prevenção do câncer no dia a dia ou dentro de casa?
Dra. Ana Amélia: Estudos recentes mostram que adotar um estilo de vida mais saudável com alimentação de qualidade e atividade física regular, pode reduzir em até 40% seu risco de desenvolver câncer de mama e outros tipos de câncer também. Então esse aspecto do autocuidado é fundamental. Estimular a ida ao médico pelo menos 1x ao ano é também uma rotina que ajuda na prevenção de várias doenças e é importante pro diagnóstico precoce, que salva vidas pois quanto mais cedo tratamos, maiores as chances de cura.
De Benguela: Nos casos de diagnósticos de câncer de mama, é sempre certo que haverá a perda dos cabelos devido a quimioterapia? Isso varia de pessoa para pessoa?
Dra. Ana Amélia: Varia de acordo com a quimioterapia que você está fazendo. Já existem várias opções em que o cabelo não cai. As vezes é possível optar por uma delas. Temos também a touca gelada que pode ser usada no momento da quimioterapia e ajuda a minimizar a queda de cabelo.
De Benguela: Qual é a importância de termos cada vez mais discussões sobre a conscientização e prevenção do câncer de mama? Como essa abordagem agregaria positivamente na sociedade?
Dra. Ana Amélia: É o câncer mais frequente na mulher e afeta uma quantidade enorme de pessoas. Tanto a mulher que adoece quanto a sua família. O tratamento pode ser longo e trazer efeitos indesejados, dificultando o retorno às atividades normais e ao mercado de trabalho, por exemplo. O câncer de mama impacta muito a vida da mulher, traz grande gasto para o sistema público de saúde e toda ação visando minimizar isso será de grande ajuda para a sociedade.
De Benguela: O que em hipótese alguma deve ser dito para uma mulher em tratamento oncológico?
Dra. Ana Amélia: A regra é ser empática. Não dizer ao outro nada que vc mesma não gostaria de ouvir, já ajuda muito. Falar sobre seu cabelo, seu peso, comparar o seu tratamento com o de outra pessoa, dizer que o câncer é culpa dela porque "guardou mágoa" tudo isso deixa a mulher ainda mais fragilizada.
De Benguela: Existem sinais de atenção que se deve ter em relação aos sinais de câncer de mama, quando procurar ajuda?
Dra. Ana Amélia: Ideal é fazer o rastreamento! Detecção precoce! Ou seja, fazer o exame antes de sentir qualquer coisa. Porque queremos fazer o diagnóstico antes que seja possível até mesmo sentir a lesão com as mãos (apalpar).
A mamografia detecta lesões menores do que 0.5 cm. Nessa situação, as chances de cura são bem maiores. Então, não devemos esperar ter alteração na mama para fazer o exame. Exame de rastreamento é aquele que a gente faz mesmo antes de sentir algo.
Mas, se sentir: deve procurar o médico imediatamente. Caroços na mama ou na axila, mudanças na pele da mama (pode mudar de cor ou ficar irritada), saída de secreção pelo mamilo, dor, inchaço. Qualquer alteração deve ser investigada.
De Benguela: A perda de cabelo deve ser algo que afeta muito a autoestima de mulheres pretas, esse desânimo pode afetar na efetividade de um tratamento de quimioterapia?
Dra. Ana Amélia: Afeta muito. Rede de apoio, compreensão, apoio psicológico, tentar usar a touca gelada quando disponível, tudo isso ajuda. E se a paciente estiver muito abatida e não fizer o tratamento de forma regular, seguindo as orientações, pode afetar o resultado. Por isso é importante estar atento a todos os aspectos que podem afetar o seu estado emocional nesse momento.
De Benguela: Qual é o conselho que a senhora tem para uma mulher que acaba de ser diagnosticada com câncer de mama?
Dra. Ana Amélia: Esteja rodeada por pessoas que te apoiam, procure fontes de informação confiáveis (de preferência seu/sua médica), e viva um dia de cada vez. Aos poucos você vai tomando consciência da situação e do tratamento, vai se sentindo mais preparada para enfrentar o tratamento, que está cada vez mais eficaz, trazendo grandes chances de cura. Você não está só!
Apoiamos e encorajamos o autocuidado.
Faça o autoexame, conheça o seu corpo!!Estar bonita tem relação direta com estar saudável. Por isso, busque orientação médica sempre que notar qualquer sinal diferente em você.
Esteja certa de que, assim como a Dra. Ana Amélia, existem diversos profissionais capacitados para te acompanhar nesta trajetória, seja ela qual for!